quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Nº 1899



Acabou que eu entrei primeiro. Como sempre. Estávamos violando uma área restrita para estudantes. Meu coração batia feito um tambor, saltando pela minha garganta. Eu quase podia ouvir um ritmo africano, cheio de tambores vindos de Andréia, Mariana, Gabriela e Matheus. A sala não passava de um micro escritório com vários computadores e mais quatro portas. Nas plaquetas, haviam informações do que poderíamos encontrar do outro lado dessas portas: “LABORATÓRIO I”, “LABORATÓRIO II”, “DEPÓSITO”, e a que realmente nos chamou a atenção: “PROJETO ESPECIAL nº 1899”.
Bom, havia uma sala para um único experimento, o que era estranho. Deveria se tratar de algo bem grande, no sentido físico e sólido, ou deveria ser algo grande como descoberta, inovação e segredo, e que, por sinal, era a resposta mais óbvia.
Minha imaginação tomava conta de todo meu ser. Saber o que havia além daquela porta tinha se tornado meu único objetivo. Meus pés andavam automaticamente, minha mão se esticara, procurando tocar o metal frio da maçaneta, meu coração palpitava violentamente e talvez a chuva havia parado.
De repente, alguém segurou meu braço com força.


_ Meu Deus Dudes! Te chamei 3 vezes meu! – disse Mariana num dos seus repentinos ataques de espontaneidade – aonde você pensa que vai? Vamos sair daqui, não tem nada de mais, só computadores.
_ Não, eu quero ver o que tem lá – eu disse apontando para a porta – e já que chegamos até aqui, vamos ver o que tem atrás daquela porta. Por favor? Prometo que é só aquela e vamos embora.


Foi como se aquela puxada havia me trazido de volta ao mundo real. A chuva parecia mais violenta que antes, Andréia, Gabriela e Matheus estavam logo atrás de Mariana, me olhando assustados, como se eu tivesse fugido de um hospício.


_ Ta, vamos então Mari – disse Gabise pegarem à gente estamos lascados do mesmo jeito, não custa nada nessa altura do campeonato.
_ Então continua indo na frente Dudes – disse Mariana com um tapinha nas costas.


Virei meu rosto de volta para a porta. As palavras “PROJETO ESPECIAL nº 1899” pairavam na minha cabeça como se isso fosse à última coisa que eu iria fazer na vida. Quando toquei na maçaneta, achei que meu coração iria parar. Ninguém atrás de mim parecia se mexer. Eu me sentia sozinho. Num súbito de ansiedade, fechei os olhos e abri a porta.










_ É só isso? – perguntou Mariana, respirando pela primeira vezAi meu, é só uma máquina, e eu achando que fossemos encontrar algo mais... exótico.
_ Calma Mariana, nós nem sabemos pra que serve ainda – disse Andréia passando por mim e caminhando para perto do objeto.


De fato, era só uma máquina. Uma gigantesca máquina. Cheia de botões, arcos e números, feitos de um cobre tão brilhoso que parecia dourado. Sem me mexer, fiquei observando todos caminhando ao redor de uma sala vazia e escura, com uma única luz branca mirando a experiência.
Os minutos seguintes aconteceram tão rápido que a imagem na minha cabeça não passa de um borrão. Andréia havia apertado algum botão, e por um instante achei que a máquina fosse algum tipo de monstro. Ela se abria como um objeto inteligente, acendendo luzes e desdobrando painéis metálicos que saltavam para frente, esperando novos comandos. De longe, eu via arcos dourados segurando esferas do mesmo material, girando e brilhando.
A porta atrás de mim fechou e só me dei conta quando ouvi um estalo de trinco encaixando. Quando me virei para avisar os outros, a máquina havia parado. Aberta, ela ocupava quase toda a sala, e agora estava disposta em forma de círculo. Percebi que Matheus era o único que realmente se mexia, deixando os outros estacados no centro. Ele tocava os painéis, olhando para os números, códigos e desenhos. Caminhei lentamente para o lado de Gabi, que não disse nada quando me aproximei.


_ Ei! Tem um computador embutido aqui, pedindo pra digitar um número. - Disse Matheus analisando os painéis - Acho que é algum tipo de chave de acesso, seja lá o que for isso. E tem também nome de países, com seus respectivos estados e...
_ Ai, caralho Matheus! - explodiu Mariana - O que é isso afinal? Essa coisa praticamente me jogou pra dentro dela como se fosse uma planta carnívora! Vamos sair daqui.


De repente lembrei que a única porta havia se trancado e nós estávamos presos. Provavelmente, seríamos expulsos da Universidade por violar uma área restrita. Meu pai com certeza iria me matar!


_ Errr... Impossível - eu disse - seja lá MESMO o que for isso, essa coisa também trancou a porta. Estamos presos.
_ O QUÊ?! - Disseram quase todos juntos.
_ Calma gente, não tenho culpa!
_ Se você tivesse dado meia volta quando eu agarrei teu braço, nós NÃO estaríamos lascados desse jeito meu! – falava Mariana completamente alterada.
_ Calma Mariana, a gente vai resolver isso – disse Gabi relaxada – a porta deve ter trancado quando a Déia apertou um desses botões... Se a gente colocar a senha no painel provavelmente estaremos livres.
_ Ai, é bom mesmo – disse Mariana.
_ Ótimo. Alguém pelo menos tem idéia de qual pode ser a senha pra colocar nesse painel? – perguntou Andréia.
_ Se o nome disso aqui é Projeto Especial nº 1899, vai ver a senha também seja essa... 1899. – Concluiu Matheus.
_ Ainda bem que a gente tem você Matheus – disse Gabi.


Bastou digitar o número no painel para a máquina ganhar vida. As esferas voltaram a girar e as luzes ficaram intensas. Os arcos e os painéis começaram a se dobrar novamente, fazendo com que ficássemos cada vez mais exprimidos e apertados. Não enxergava ninguém ao meu redor. A intensidade da luz não deixava visível nem meu próprio corpo. O barulho que vinha da máquina, misturado com o da chuva, não deixava que nós nos encontrássemos pela voz. Estávamos perdidos. Nosso futuro agora era incerto. Eu não sabia se voltaria para casa naquela noite, se seríamos expulsos ou se por um verdadeiro milagre, aquela porta abriria e todos iríamos embora, imunes. Meu coração estava acelerado de angústia, medo e desespero. Queria voltar no tempo, meia hora antes, e fingir não ter ouvido a conversa daqueles homens nas escadas.


E de repente, tudo parou. O barulho cessou. A luz do ambiente voltou ao normal e aos poucos fui definindo as linhas e curvas ao meu redor. E o inesperado aconteceu. Tudo estava diferente, mudado. Não havia mais sala. Não havia mais nada. [...]

Um comentário:

  1. Nossa.. Superação em criatividade e escrita.
    Tá ótimo. Gostei muito da história(até aqui). Parabens.

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