sexta-feira, 9 de outubro de 2009

PARIS, FRANÇA




Apertei os olhos. Não havia uma sala, não havia uma porta, não havia um teto. De fato, havia paredes, mas não eram as mesmas. Eu estava num... beco? Eu realmente não estava entendendo nada. Será que eu tinha desmaiado e não percebi quando me carregaram? E se me carregaram, pra onde me trouxeram? Ou talvez, eu havia morrido? Se fosse verdade, então a morte é rápida e a passagem é curta. Porém, meu corpo continuava de carne e osso, e eu ainda podia ouvir meu coração batendo. Eu estava vivo, ou pelo menos eu achava que estava.
As últimas imagens da minha cabeça eram feitas de pura luz branca e um barulho irritante. Foi então que lembrei da chuva... e que agora havia parado. Havia sol, nuvens. Muito tempo deveria ter passado. As paredes ao meu redor eram feitas de tijolos, com janelas de peitoril alto. A rua na qual eu estava pisando era de pedra, e as calçadas do meu lado não deviam ter mais de cinqüenta centímetros. Aonde quer que fosse isso, Pinhalzinho não era, e acho que muito menos Chapecó. Quanto mais eu pensava e analisava a situação, mais o medo tomava conta de minhas emoções. Foi então que ouvi uma voz.


_ Aonde estamos? – disse Mariana.


Quando percebi que não estava sozinho, uma súbita felicidade invadiu meu coração. Aonde quer que eu estivesse, pelo menos estava com pessoas que eu conhecia, e me relacionava bem. Eram os mesmos que eu deixei pra trás, cinco minutos antes, quando fechei os olhos. E agora lá estavam eles: Matheus, Gabriela, Andréia e Mariana, todos imóveis, assustados como eu também estava. Atrás deles, estava o motivo dessa confusão. A máquina estava parada na calçada, desligada. Os arcos e placas feitos de cobre brilhavam tanto quanto antes. O sol reluzia pouco no beco, devido à altura das paredes. E mesmo assim, aquele monstro parecia feito de ouro.


_ Não tenho a menor idéia – disse Gabriela.
_ Isso é um beco? – perguntou Andréia – como é que viemos parar aqui? Estamos mortos?
_ Acho que não. – Matheus respondeu a pergunta extremamente calmo. Eu não sabia se ele estava mesmo relaxado, ou se no segundo seguinte ele cairia em desespero, como todos nós – Mas tenho um palpite. Eu estava pensando, e acho que aquele número que digitei no painel não era uma senha, nem um código de acesso.
_ Não? – perguntou Gabi – então o que era?
_ Um ano. – disse Matheus.
_ Heiin? Não entendi – disse Mariana.
_ Um ano. Acho que a gente poderia ter digitado qualquer número, que teria acontecido à mesma coisa. Digitamos aquele porque vimos na porta e relacionamos como uma senha, ou código. Mas não passava do próprio número do projeto. Porém, no painel havia outras informações, como nomes de países, estados, datas, meses, latitudes e longitudes...
_ Matheus, não to entendendo. – interrompeu Gabi.
_ Acho que aqueles homens, que ouvimos nas escadas, descobriram uma máquina do tempo.
_ AHHH FALA SÉRIO! Não viaja! – disse Mariana irritada.
_ Vejam vocês mesmos Mariana! Estamos num lugar que não temos idéia de onde seja, com cores, cheiros, texturas e materiais diferentes do que conhecemos! Agora se perguntem: como viemos parar aqui em trinta segundos? A porta estava trancada. Não tem como termos saído. E se tivéssemos, não tem nada parecido com isso na Uno. Além do mais, cadê a chuva? O mundo estava desabando em água e agora tem sol? Estranho isso não acha?


Nunca algo que o Matheus tivesse dito, havia feito tanto sentido pra mim. Se aquela era mesmo uma máquina do tempo, então estávamos interferindo na história, e era estranho considerar isso. Decidi ficar calado, imerso em meus pensamentos, ouvindo os quatro conversando e discutindo situações que provassem que não estávamos viajando no tempo, e Matheus defendia todas elas, muito bem argumentadas, reforçando a real função daquela máquina. Eu não sabia se ria, ou se chorava. Era realmente uma descoberta incrível, sem tirar uma vírgula do que aqueles homens haviam falado quando descreveram orgulhosos este experimento. Mas eu não sabia voltar pra casa, e também não sabia se voltaria. Talvez - e era muito provável - eu viveria meus próximos sessenta anos, tentando me adaptar a esse século, a essa época e a esse lugar.


_ Tudo bem! Então vamos considerar que viajamos MESMO no tempo – disse Gabriela – Para onde viemos exatamente?
_ Paris, França, 1899. – respondeu Matheus com firmeza.


Ninguém ousou comentar mais nada. Todos permaneceram no silêncio, absorvendo as últimas palavras de Matheus. Ao longe, avistei um senhor, andando na nossa direção. Propus que a prova real do que estaa acontecendo poderia ser tirada se perguntássemos para ele onde estávamos, em que tempo, e em que época.


_ Boa tarde senhor. Tudo bem? – eu disse parecendo o mais educado possível.


De primeira, ele não respondeu. E eu esperei. Era um homem de estatura média, caucasiano, usando calça e camisa social, com colete sobreposto. As feições do rosto deixavam claro que se tratava de um homem vivido, talvez de uns setenta anos. Ficou imóvel, me analisando, fitando meus olhos como se procurasse saber quais eram minhas reais intenções, ou o que eu pretendia. Depois, analisou do mesmo jeito cada uma das outras quatro pessoas que estavam paradas logo atrás de mim. Pude ver que enquanto ele olhava, não disfarçava suas expressões, erguendo as sobrancelhas toda vez que algo não lhe agradava. Então arrisquei:


_ Desculpe o incômodo senhor, mas só gostaria de saber onde estamos e que dia é hoje.


Silêncio. Ele não me respondeu. Na verdade, olhou mais uma vez no fundo dos meus olhos e foi embora.


_ Não entendo. Porque ele não me respondeu? – perguntei indignado.
_ AAAH! Claro! Se estamos mesmo na França, ele não deve falar Português. – disse Andréia.
_ Eu sei falar Francês! – disse Gabi.


Então ela correu na frente e tentou mais uma vez chamar o homem que a pouco havia nos dado as costas.


_ Désolé, l'excuse! (Desculpe, com licença!) – disse Gabi
_ Oui? (Sim?) – respondeu o homem educadamente, virando-se para encarar.


Ele era francês. Então deveríamos estar mesmo em Paris, o que afirmava e tornava real cada palavra do palpite de Matheus. Custava - para todos nós - acreditar que era possível viajar no tempo. Não era um filme, não era um livro. Era real. E sendo real, imaginem como tal descoberta mudaria nossa percepção da História, obrigando as Nações a mudarem seus livros, seus conceitos, seus cidadãos. Esse era um dos pensamentos que eu gostaria de evitar. Por enquanto.


_ Désolé, mais quel est ce lieu? (Desculpe, mas que lugar é esse?) – perguntou Gabi.
_ C'est Paris, bien sûr! (Esta é Paris, é claro!) – disse orgulhoso.
_ Huum... Paris en quelle année? (Paris de qual ano?)
_ 31 mars 1899. (31 de março de 1899) Qui êtes vous? (Quem são vocês?) – perguntou o homem curioso.
_ Ahh... Err... Pourquoi? (Por quê?) – disse Gabi tentando ganhar tempo.
_ Vous êtes donc ... étrangers. (Vocês são tão... estranhos.)
_ Ahh... Oui oui! Est que nous sommes des nomades. Nous Voyage beaucoup et nous avons perdu la trace du temps! (Sim sim! É que nós somos nômades. Viajamos muito e por isso perdemos a noção do tempo!)
_ Huum… Sont ensuite expliquées. Ses vêtements sont moches, et étrange. Ils pourraient même être des nomades. (Está explicado então. Suas roupas são feias, e estranhas. Só poderiam ser nômades mesmo.)
_ Merci! Nous marchons alors ... (Muito obrigada! Nós vamos andando então...)
_ Il n'y a pas de quoi. (De nada.)


Quando Gabi voltou ao nosso encontro, contou o que havia conversado com o velho. Então agora sabíamos onde estávamos, e o que tinha acontecido naquela sala. Conversamos por vários minutos os benefícios e as conseqüências que essa descoberta traria para os seres humanos. De certa forma, nós éramos pessoas de sorte por ter uma oportunidade única como essa. Andamos mais um pouco por aquelas ruas, conhecendo a grande Paris de 1899. Havia cartazes nas paredes, e percebemos que a cidade estava realizando uma grande festa naquele dia: os 10 anos de inauguração da Torre Eiffel. Conforme nos misturávamos com as pessoas, mais elas olhavam desconfiadas. Deviam ser nossas roupas, claro. Andréia não parava de dizer que eram eles quem estavam atrasados 100 anos na moda, e não a gente.
Foi então que decidimos voltar para o lugar de onde surgimos, e tentar voltar pra casa. Programar a máquina para voltar para a Uno foi à parte mais difícil. A gente não sabia as coordenadas daquela sala, e, diga-se de passagem, peguei G3 em topografia. Por sorte, os painéis contavam com um sistema de mapas, que localizavam o que queríamos. Dez minutos depois, a luz, o barulho, tudo recomeçou. Aos poucos tudo foi sumindo, como antes, até eu não conseguir enxergar nem mesmo meu próprio corpo. E como antes, o barulho cessou. E o esperado aconteceu. [...]

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